sexta-feira, novembro 12, 2004

...Tamanhos...

...Agora vós, fodões encarniçados,
Que julgais agradar às moças belas
Por terdes uns marzapos, que estirados
Vão pregar co´os focinhos nas canelas,
Conhecereis aqui, desenganados,
Que não são tais porrões do gosto delas;
Que lhes não pode, enfim, causar recreio
Aquele que passar de palmo e meio...

(Manuel Maria Barbosa du Bocage)

terça-feira, novembro 09, 2004

69

Algumas actividades parece que nasceram umas para as outras. Tomar banho e cantar dá uma alegria enorme na gente, comer pizza e falar da vida alheia é quase um acto contínuo, beber cerveja e fumar combina que é uma loucura, assim como jogar futebol, sentar no trono e ler, conduzir e ouvir música - todas delícias de uma boa vida! Por outro lado, há coisas que simplesmente não ornam. A palavra ornar, por si, já não orna com nada. Chupar cana e assobiar para toda a gente já se sabe que é desaconselhável, conduzir e falar ao telefone a lei não permite, conversar e saltar à corda é complicado, e assim a coisa vai numa longa lista de práticas incompatíveis. Pois eu queria manifestar meu desapreço por uma posição de funções adversas que, no entanto, é bastante apreciada na actividade sexual - o 69. Hão de concordar que a postura é ingrata, a vista não é das melhores e que se não houver cautela pode-se sair dali com um deslocamento na cervical. Além do mais, porquê a pressa, porquê tudo ao mesmo tempo? Parece coisa de culpa católica - é dando que se recebe, dê ao próximo o que deseja para si. Pessoalmente, considero aquela actividade frenética em ambas as pontas totalmente desnecessária e, por que não dizer, ineficiente. Não é possível a criatura executar com primor uma função que requer coordenação, dedicação e técnica, enquanto está tentando relaxar para usufruir o que lhe acomete na outra extremidade. Sim, porque uma coisa é uma coisa e a outra coisa é outra coisa! E não me venham dizer que tudo corre naturalmente e que é só meter a cara (perdão, falava no sentido figurado) que sai direito. Não sai! Para começar, a coisa exige um estudo rigoroso da anatomia do outro. É imperativo que se saiba o que está onde, para entender o que fazer por ali, e é claro que isso vale para parceiros de todos os sexos, independentemente da ponta (mesmo que convexa) em que se esteja. Também não se pode achar que a prática da coisa por si já ensine. Há quem pratique a vida inteira e, não se tendo dado ao trabalho de observar os detalhes da questão uma única vez, passa a vida fazendo o serviço malfeito. Outro factor que não ajuda é a inelutável proximidade com o assunto, que pode, num excesso de entusiasmo, causar a asfixia fatal do parceiro. Menos grave, mas não menos constrangedor, é o caso do sujeito com a vista cansada, que, nessa situação, tem de contar exclusivamente com a sensibilidade linguolabial - não quero discriminar ninguém, mas todos sabemos como há no mundo, inclusive sem problemas de vista, criaturas desprovidas desse requisito. E há ainda o caso dos obesos, que, por excesso de volume no percurso, simplesmente não conseguem atingir as marcas. Por último, quero lembrar que a reciprocidade, grande objectivo da postura, é raramente atingida, posto que tem sempre um sujeito ali largadão, enquanto a outra está dando tudo de si. E vice-versa. E versa versa. E vice vice, também, eu suponho. O Kama Sutra propõe nada menos que 529 posições para experimentar na hora do amor, e eu não estou aqui para desestimular a criatividade de ninguém. Mas não sei se por preguiça, ou por ter amado mulheres de muita aptidão, ainda considero o trivial, com algumas loucuras pelo meio, bem feitinho algo de insuperável.